Mark Hofmann, O Falsificador Mórmon

No início de Março de 2021, a Netfllix lançará o documentário "Murder Among Mormons", com o título em Português "O Falsificador Mórmon". A série recontará a história de Mark William Hofmann, um membro da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias que em sua jornada e obsessão pela história da Igreja tornou-se um dos falsificadores mais conhecidos de todos os tempos ao fabricar diversos documentos relacionados à história da Igreja e dos Estados Unidos. 

Quem Foi Mark Hofmann?

Nascido em Salt Lake City, Utah, Mark Hofmann nasceu em um lar devoto de Santos dos Últimos Dias, possuía interesse por aparelhos eletrônicos, mágica, química e uma coleção de moedas, os quais Hofmann modificava para maximizar o valor aos olhos de outros colecionados. Tais elementos posteriormente teriam um papel fundamental em sua motivação de falsificar artefatos, enganar e obter riquezas. [1] Hofmann posteriormente serviu uma missão de tempo integral na Inglaterra, aonde passou a pesquisar e comprar antigos livros relacionados à Igreja. Posteriormente, entretanto, Mark declarou que havia perdido sua fé anos antes de partir para sua missão. Ao retornar de sua missão, Mark Hofmann casou-se e teve quatro filhos.

Anos após retornar de sua missão, Mark Hofmann iniciou então uma jornada de fraude e mentira, utilizando tecnicas sofisticadas de falsificação para fabricar diversos falsos documentos relacionados à história da Igreja e dos Estados Unidos, a fim de vendê-los e obter lucro. Nesse sentido, a jornada de Mark Hofmann parece alinhar-se com as palavras de Morôni que denunciou as combinações secretas de homens que usavam o Evangelho com o objetivo de obter lucro.[2]

Quais Foram os Documentos Falsificados por Mark Hofmann?

Dentre muitos documentos forjados por Hofmann, os seguintes receberam atenção da Igreja e dos Estados Unidos, devido ao seu caráter supostamente raro:

1. A Transcrição de Charles Anthon: Com o acesso facilitado que Mark Hofmann tinha à acervos históricos da Igreja, Mark alegou ter encontrado uma versão original da transcrição de caracteres egípcios copiadas das placas de ouro por Joseph Smith para que Martin Harris verificasse sua autenticidade. Na versão de Mark Hofmann, os caracteres haviam sido escritos em colunas verticais seguido pela inserção de uma figura similar a um calendário Maia.[3]
2. A Benção de Joseph Smith III: uma falsa representação de uma suposta benção dada por Joseph Smith ao seu filho, o apontando como seu sucessor oficial.[4]
3. A Carta de Lucy Mack Smith de 23 de Janeiro de 1829: A carta, atribuída à mãe de Joseph Smith, apresentava informações que supostamente teriam sido retiradas das 116 páginas perdidas do Livro de Mórmon. [5] 
4. A Carta de Martin Harris em 13 de Janeiro de 1873: Em falsificação, Martin Harris, com 89 anos, reafirmava seu testemunho como testemunha do Livro de Mórmon.[6] 
5. Duas Páginas do Manuscrito Original do Livro de Mórmon.[7] 
6. O Contrato de E. B. Grandin: Tal documento se apresentava como um acordo financeiro entre E. B. Grandin para a impressão da primeira edição do Livro de Mórmon.[8]
7. Uma Cópia do Livro de Mórmon Assinada por Joseph Smith.
8. A Carta de Josiah Stowell: Supostamente escrita por Joseph Smith em 1825, o qual continha informações que envolviam Joseph Smith a práticas de feitiçaria. Antes de ser demonstrada falsa, esta carta era considerada como o documento mais antigo com a escrita a mão de Joseph Smith. 
9. A Carta da Salamandra: Supostamente escrita em 1830 por Martin Harris a William W. Phelps. A Carta da Salamandra passou a ser a mais conhecida, por apresentar um relato fantasioso que contradizia a versão apresentada pela Igreja sobre os eventos iniciais da Primeira Visão. A carta descrevia uma versão sobre a recuperação das placas do Livro de Mórmon em que ao escavar para obter as placas, uma salamandra apareceu, transformou-se em um espírito e se negou a permitir que Joseph levasse as placas, a menos que Alvin (que já havia falecido), o irmão de Joseh, estivesse com ele. Hofmann utilizou a salamandra como elemento central da história por tradições folclóricas da época sugerir que alguns tipos de animais invocavam poderes sobrenaturais. [9]

Além dessas, Mark Hofmann falsificou uma variedade de documentos relacionados à história americana ficando amplamente conhecido dentro e fora da Igreja.

Como Mark Hofmann Enganava Peritos e Historiadores Profissionais?

Mark Hofmann utilizava tecnicas sofisticadas de falsificação, conhecendo exatamente os parâmetros que seriam utilizados por peritos na avaliação de seus documentos. Para falsificar documentos da época de Joseph Smith, Mark precisava em primeiro lugar, de papeis em branco daquela época. Investigadores descobriram posteriormente que Mark arrancava páginas em branco de livros e bíblias antigas. Em seguida, Hofmann queimava páginas do mesmo livro, e com as cinzas fabricava a tinta que utilizaria para escrever o documento, adicionando em seguida componentes químicos que faziam a tinta parecer mais velha do que realmente era. 

Além disso, Mark Hofmann foi astuto em sua estratégia de adquirir credibilidade entre historiadores da Igreja. Mark adquiria cópias autênticas de documentos da Igreja a fim de aprender o estilo de escrita dos personagens da restauração, sendo vários destes documentos positivos e edificantes para a Igreja. Pelo fato de muitos dos documentos mais raros da vida de Martin Harris, por exemplo, terem sido falsificações de Mark Hofmann, peritos foram enganados quando compararam a Carta da Salamandra, com outros documentos igualmente forjados por Hofmann os quais na época eram considerados autênticos.[10]

Mark em algumas ocasiões, por exemplo, certificava-se de que alguma testemunha estivesse presente no momento em que ele "acidentemente" encontrava alguns de tais documentos, o que fornecia uma camada superior de credibilidade a seu relato.

Por ter interesse na preservação de sua história, A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, então, recebeu de Mark Hofmann vários desses documentos, e comprou alguns deles por diversos valores na casa de dezenas de milhares de dólares. O epísódio histórico para muitos membros da Igreja levanta até hoje uma questão que parece inevitável.

Se Gordon B. Hinckley era um profeta verdadeiro, por que foi ele enganado pelas falsificações de Mark Hofmann?

Tal questão se apoia em uma comum mas deturpada noção ainda presente dentro da Igreja de que profetas ou líderes gerais da Igreja são infalíveis e que Deus interfere em literalmente cada decisão tomada por eles. Isso simplesmente não é verdade. É importante também notar que o Pres. Hinckley decidiu comprar alguns dos documentos após ser certificado por experts de que se tratavam de documentos verdadeiros, apesar dele mesmo não ter indicado ter certeza de tal autenticidade. Em um serão transmitido no Templo de Salt Lake, Elder Hinckley afirmou: 

"(...) Eu adquiri ambas as cartas para a Igreja, a primeira por compra e a segunda foi doada para a Igreja pelo generoso dono. Eu estou, é claro, familiarizado com ambas as cartas tendo segurado elas em minhas mãos e as tendo lido em sua forma original. Também fui eu quem tomou a decisão de torná-las públicas. Cópias foram entregues para a mídia e ambas receberam grande publicidade. Eu sabia que elas causariam empolgação. Estudiosos debateram, tiveram opiniões diferentes e até mesmo discutiram sobre elas. 

Eu estou feliz de termos elas. Estes são documentos interessantes cuja autenticidade não estamos certos e talvez nunca estaremos. Entretanto, presumindo que são verdadeiras, elas são escritos valiosos de sua época. Mas elas não possuem nenhuma relevância real sobre a questão da veracidade da Igreja e origem do Livro de Mórmon. [11]

No caso da Carta da Salamandra, a Igreja inicialmente recusou a compra, e então ela foi  vendida para Steven F. Christensen, pelo valor de $40.000, que em seguida a doou para a Igreja. 

Elder Hinckley, após o desenrolar dos fatos afirmou:

"Eu francamente admito que Hofmann nos enganou. Ele também enganou experts de Nova York a Utah. Entretanto, nós compramos estes documentos apenas após termos sido certificados de que eram verdadeiros. E quando liberamos os documentos para publicação, nós declaramos que não tínhamos nenhuma maneira de saber com certeza se eram autênticos. Eu não tenho vergonha de admitir que fomos vítimas. Me desculpem afirmar que as vezes isso acontece."[12]

Críticos na época acusaram a Igreja de tentar suprimir tais documentos sob o argumento de que eles eram comprometedores para a narrativa tradicional da Igreja sobre os fatos da restauração. Tal argumento cai por terra quando notamos que o Presidente Hinckley recusou a compra de tal carta e pelo fato da própria Igreja falar abertamente sobre elas e torná-las acessíveis para estudo.

O Fim da Linha de Mark Hofmann

Apesar de faturar muito dinheiro com a venda de suas falsificações, Mark Hofmann se encontrava em constantes problemas financeiros. Por dever documentos e valores em dinheiro para colecionadores que começaram a perseguí-lo, Hofmann então passou a fabricar bombas. Investigadores acreditavam que Steven Christensen desconfiava de Hofmann e pretendia desmascará-lo. Em 15 de Outubro de 1985, Mark assassinou o colecionador Steven Christensen. No mesmo dia, outra bomba matou Kathy Sheets, a esposa de um antigo funcionário de Christensen. Tal articulação confundiu a polícia, que atribuiu outra história para a relação entre os dois crimes, como planejado por Mark Hofmann.

A jornada de Mark Hofmann chegou ao fim quando uma terceira bomba, pouco tempo depois, explodiu acidentalmente em seu próprio carro. Mark sobreviveu à explosão, mas sua versão da história era incompatível com a análise forense feita por investigadores. A polícia então fez buscas na casa de Mark, e encontrou roupas compatíveis com a descrição de testemunhas para o homem visto deixando o pacote com a bomba que matou Christensen e Kathy. Encontraram também no carro de Hofmann vestígios de pólvora do mesmo tipo presente nas 3 bombas. 

Hofmann então se tornou o único suspeito dos crimes e até mesmo foi submetido a um polígrafo detector de mentiras, o qual passou no teste. Hofmann posteriormente foi condenado à prisão perpétua pelo assassinato de 2 pessoas e pelo seu histórico de faslificação.

Conclusão

A história de Mark Hofmann é um lembrete moderno de que Ladrões de Gadiânton ainda caminham entre nós, de que é preciso cautela antes de tirar conclusões sobre informações duvidosas que contradizem fatos bem documentados, como da restauração, e de que líderes da Igreja, antes de serem profetas, são homens, e que aonde há homens há falibilidade. O próprio Senhor falando sobre essa limitação inerente do ser humano afirmou:

Mas como nem sempre podes julgar os justos, ou seja, como nem sempre podes discernir os iníquos dos justos, digo-te: Mantém silêncio até que me pareça conveniente dar a conhecer ao mundo todas as coisas concernentes ao assunto.(D&C 10:37)

A atitude do Presidente Hinckley em errar, admitir seu erro e aprender com ele não é motivo de vergonha, mas um ato que me faz respeitá-lo ainda mais como homem inspirado por Deus. 

Referências:

[1] Lindsey, Robert (1988). A Gathering of Saints: A true story of money, murder, and deceit. Simon & Schuster.
[2] Mórmon 8
[3] Ensign, Jun. 1980, July 1980, Dec. 1983.
[4] Ensign, May 1981.
[5] Ensign, Oct. 1982, Dec. 1983.
[6] Ensign, Nov. 1982, Dec. 1983.
[7] Ensign, Oct. 1983, Dec. 1983. 
[8] Ensign, Dec. 1983.
[9] Fraudulent Documents from Forger Mark Hofmann Noted, Churchofjesuschrist website.
[10] How Two Documents Examiners Solved the Case of the Salamander Letter, Dez 2019, westernforensicdocumentexaminer.
[11] Gordon B. Hinckley, "First Presidency Message: Keep the Faith," Ensign (September 1985)
[12] Gordon B. Hinckley, Meridian Magazine, Outubro 1995.