O Maior Obstáculo Para a Sobrevivência da Igreja No Século 21 - Atualidades | Intérprete Nefita

O Maior Obstáculo Para a Sobrevivência da Igreja No Século 21

Uma abordagem dos problemas e soluções necessárias para a formação de uma geração que verdadeiramente sabe.


Por Luiz Botelho 18 de Fevereiro de 2019
O Maior Obstáculo Para a Sobrevivência da Igreja No Século 21

Há pouco menos de duas décadas, o mundo assistiu perplexo o crescimento desenfreado d'A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, que saía da obscuridade para alcançar em tempos recentes o status de uma das grandes religiões mundiais, sendo frequentemente chamada de "a religião que mais cresce no mundo."

Na última década, entretanto, os relatórios estatísticos anuais da Igreja tem demonstrado uma realidade muito diferente e preocupante. O crescimento da Igreja, que entre 1970 e 2000 flutuava entre aproximadamente 4% e 8% ao ano, diminuiu significativamente, mantendo uma média de aproximadamente 2,5% entre 2000 e 2010 e média de aproximadamente 1,9% entre 2010 e 2018. 

Para se ter uma ideia mais clara da atual tendência, basta olhar o consecutivo padrão na diminuição de batismos de conversos nos últimos 4 anos, cada um deles com menos batismos do que o ano anterior. O relatório anual de 2018, por exemplo, revelou o menor crescimento percentual desde 1937.

Estatística de conversões nos últimos anos:[1]

Batismos de conversos

2017: 233,729    
2016:240,131     
2015: 257,402    
2014: 296,803    

Ao compararmos a sequência recente no número de conversões anual com o número de missionários de tempo integral em serviço, obtemos outro dado interessante. Na última década temos feito menos com mais. Em 2014, por exemplo, a Igreja batizou 296,803 novos conversos com cerca de 85,147 missionários de tempo integral. Em 1990 (e em vários outros anos), por sua vez, a Igreja batizou 330,877 com aproximadamente 43,651 missionários em campo, o que constitui mais de 34 mil conversos com a metade dos missionários do ano de 2014.

A mensagem e dedicação dos missionários é a mesma. O Evangelho é o mesmo. Os recursos atuais disponíveis à obra missionária são melhores do que qualquer outra época. Qual seria, então, a razão para o contínuo declínio das conversões, retenção e crescimento da Igreja?  Embora existam muitas variáveis responsáveis pela tendência dos últimos anos, gostaria de focar em apenas três delas e porque acredito que elas determinarão a capacidade da Igreja em sobreviver e se manter protagonista no decorrer do século 21.

Sistema missionário que torna propícia a inatividade

Tendo servido missão de 2008 a 2010 em Santa Maria, mantenho até hoje o sentimento de que esses foram os dois melhores anos da minha vida. Ao fim de minha missão, retornei com a certeza de ter amado o povo que servi e de ter feito um bom trabalho. Me entristeço, entretanto, ao ver que alguns fundamentos básicos da obra missionária simplesmente não funcionam e por alguma razão continuamos a perpetuá-los. 

Missionários despreparados

A missão sem dúvida é um tempo de aprendizado, mas a missão não é o local para que um jovem leia o Livro de Mórmon pela primeira vez ou para que sejam "consertados". Líderes que insistem em enviar membros despreparados para o campo missionário comprometem diretamente a próxima geração de conversos, que frequentemente ouve a maior mensagem de todos os tempos por missionários que em muitos casos não possuem o mínimo preparo espiritual, emocional, psicológico e intelectual para o ensino. 

Foco excessivo em números

Outro aspecto que precisa ser corrigido ou talvez erradicado da cultura da obra missionária é o foco excessivo em aspectos numéricos. Quando um missionário associa seu sucesso na missão com o número de lições que ensina, pesquisadores na sacramental e batismos, a tendência é que os números aumentem e a qualidade diminua. Naturalmente é preciso ter metas, mas ao focarmos em números nos esquecemos que batismo jamais deve ser o objetivo final de um missionário, mas meramente a consequência natural do trabalho duro, bom ensino e amor aos pesquisadores. 

Batizar crianças sem os pais é uma prática ainda muito comum, mas que quase sempre resulta em inatividade, não raramente logo após o batismo. O envio de missionários despreparados unidos a uma cultura missionária de resultado através de números frequentemente resulta em novos conversos que já iniciarão sua vida na Igreja sob um fundamento de areia. Pouco tempo depois, esses novos membros mal nutridos espiritualmente que não se afastam, tornam-se líderes e partem para a missão, reiniciando o ciclo vicioso da baixa qualidade de conversões.

Incapacidade em reter conversos

No relatório anual referente a 2017 a Igreja terminou o ano com 16.118,169 (dezesseis milhões cento e dezoito mil e cento e sessenta e nove) membros e uma quantia de 30,506 alas e ramos por todo o mundo. Uma maneira de estimar o nível de atividade e retenção na Igreja consiste em simplesmente dividir o número total de membros no mundo pelo número de congregações. Ao fazermos isso com os valores atuais chegamos ao valor de 528.

Em outras palavras, baseando-se na quantia atual de membros, os valores sugerem que cada ramo/ala da Igreja deveria possuir, em um cenário de 100% de atividade, cerca de 528 membros, o que obviamente está longe da realidade. No estado de Utah, aonde vivo há anos, a média aproximada de membros ativos por unidade gira entre 80 e 250 membros. No Brasil os valores normalmente flutuam entre 40 e 150. 

Para todos os efeitos, esses valores sugerem uma taxa de atividade, nos cenários mais otimistas, de cerca de 20%, o que implicaria que apenas cerca de 3 milhões dos atuais 16 milhões de membros contabilizados permanecem na Igreja.

Naturalmente existem diversas razões pelas quais pessoas decidem abandonar a Igreja ou nunca se unir a ela. Um dos fatores se resume ao constante crescimento do secularismo no mundo e a diminuição da religiosidade no geral. Em minha experiência, no entanto, eu diria que a maior parte dos casos onde membros se afastam acontece porque falhamos como instituição no princípio de amar uns aos outros e ensinar os pontos altos e baixos de nossa história e doutrina. 

Se um membro se choca emocionalmente ao descobrir que Joseph Smith praticou a poligamia, falhamos ao não ensinar os pontos complexos de nossa história no início de sua conversão. Se um membro se sente excluído ou negligenciado socialmente na Igreja, falhamos ao não desenvolver um ambiente de apoio mútuo. Se um novo converso ainda aprendendo sobre padrões e virtude recebe um sermão sobre como deve se vestir e encara julgamento sobre como precisa se ajustar ao molde cultural da Igreja, falhamos ao não compreender que a conversão é um processo individual e que deve ocorrer naturalmente e não por compulsão.

Embora hajam exceções para quase toda regra, a lição a se aprender aqui é que a forma mais efetiva de retermos nossos conversos e membros pioneiros é amá-los mais e julgá-los menos. E se eles decidirem partir, que continuemos a amá-los e respeitá-los, mesmo que discordemos de suas decisões e visão do mundo. 

Pouca efetividade em lidar com dúvidas e objeções

Uma das maiores deficiências culturais ainda presentes na Igreja está na abordagem ineficaz e frequentemente de indiferença à dúvidas e seus questionadores. Em mais de uma década como membro da Igreja, inúmeras foram as ocasiões em que um membro levantava uma questão sincera apenas para ouvir como resposta que "essas coisas não são importantes para a sua salvação".

Em uma era tecnológica em que praticamente qualquer informação está a um clique de distância, evitar perguntas sobre temas controversos na Igreja significa apenas dar a outra pessoa na Internet a oportunidade de respondê-las, frequentemente de maneira imprópria ou incorreta. De fato, nossa doutrina e história possui diversos pontos complexos e em alguns casos problemáticos, e é dever da Igreja expor os fatos e informar seus membros e novos conversos. 

Para entender o conflito emocional que alguns membros vivenciam, imagine que um jovem missionário retornado se case com sua "alma gêmea", admire-a, construa uma vida juntos até um dia descobrir que sua amada esposa possui um passado de comportamento questionável e que durante anos ela omitiu ou não fez o esforço necessário para que seu marido conhecesse os altos e baixos de sua história. Seria sensato exigir que esse jovem apenas "tenha mais fé", "ore mais" porque "tudo um dia será respondido"? Seria prudente julgar tal ex-missionário como "fraco" e "de pouca fé" por exigir respostas de sua esposa? É aqui que reside a questão.

Frequentemente taxamos membros que tem sua fé abalada por aspectos históricos ou doutrinários como passando por uma "crise de fé". Embora esse termo em muitos casos seja correto, o termo mais preciso para o sentimento que vivenciam é "crise de confiança."

O sentimento de tais membros é de dor e confusão ao descobrirem informações que frequentemente entram em conflito com a imagem pré-concebida que tinham do Evangelho. Tais membros jamais vivenciariam esse choque cognitivo caso houvessem aprendido sobre as complexidades na própria Igreja. Não sofreriam internamente caso tivessem suas perguntas validadas, seguida de um interesse genuíno em confortá-lo e de ajudá-lo a obter a resposta.

O Elder Renlund, do Quórum dos Doze Apóstolos, recentemente compartilhou em um devocional uma série de perspectivas sobre fé e dúvida, com alguns ótimos pontos e outros que considero antiquados e exatamente parte do problema a que me refiro nesse artigo. Abaixo um extrato de algum dos pontos comentados por Elder Renlund e em itálico o comentário do autor:[2]

A. Elder Renlund compartilha a analogia de um homem em alto mar, após ter seu barco virado pela correnteza. O homem eventualmente é socorrido por um bom samaritano que o coloca em seu barco e lhe ofereçe água e bolachas. O homem inicialmente grato, logo começa a reclamar da qualidade da água e bolacha recebida e a má condição do barco. Posteriormente, o homem abandona o barco, mesmo estando ainda longe de seu destino.[2]

Comentário do autor: Na analogia o barco representa a Igreja e o bom samaritano que ofereceu ajuda representa os seus líderes imperfeitos. A analogia descreve com precisão o comportamento de algumas pessoas que quase sempre estão mais propensas a reclamar e encontrar erros em tudo e em todos ao invés de serem gratas pela ajuda recebida. A estória também ajuda a desmistificar a imagem perfeccionista que muitos possuem da Igreja. O barco tem falhas e imperfeições.

B. "Será que as marcas e imperfeições da tintura da Igreja altera sua habilidade de prover ordenanças autorizadas, salvadoras e de exaltação para nos ajudar a nos tornar como nosso Pai Celestial?"

Comentário do autor: Elder Renlund levanta uma excelente questão aqui. A resposta certamente é um não. As imperfeições institucionais ou falhas de seus líderes não afetam a autoridade que a Igreja tem sobre as odernanças, mas a questão aqui não é tão simples como Elder Renlund faz parecer. 

Há certamente muitas pessoas que abandonam seus convênios e reclamam de tudo como se o mundo girasse ao seu redor. Não podemos, entretanto, presumir que esse é o caso de toda pessoa que questiona a Igreja ou sua doutrina. Quando membros sofrem o efeito de atos de negligência ou aprendem informações complexas que por tempos lhe foram omitidas, eles passam a questionar o que mais não lhe contaram. Nesse caso, não são apenas "marcas e imperfeições na tintura" mas conflitos capazes de os fazerem questionar se realmente estão no lugar correto.


C. Sister Renlund: "Você não precisa ser um vidente como meu marido para saber que retornar à água ao invés de permanecer no barco é arriscado."

Comentário do Autor: Como falado anteriormente, o maior desafio dos questionadores sinceros é a perda de confiança na organização e o sentimento de que tiveram sua confiança traída. Esperar que um membro que se sente traído permaneça sem questionar é o mesmo que esperar que o marido traído permaneça em seu casamento sem questionar sua esposa infiel. Existem mais fatores na vida do que estar fora ou dentro do barco. Estar dentro do barco não é sinônimo de felicidade. Estar fora não é sinônimo de tristeza. 

D. "Dúvidas nunca conduzem à fé... Dúvida não é o precursor da fé. Luz não depende da escuridão para sua criação. 

Comentário do Autor: Discordo completamente de tal perspectiva. A própria existência da fé depende da existência de seu oposto e o próprio conceito de luz só faz sentido com a existência da escuridão, como ensinado na lei da oposição em todas as coisas. Ao afirmarem isso se esquecem que o Evangelho foi restaurado porque um jovem de 14 anos tinha dúvidas e perguntas. Questionar é um estágio no progresso espiritual de praticamente qualquer pessoa. Algumas pessoas, entretanto, nunca chegam a esse estágio. Algumas chegam, mas nunca saem dele. Outras retornam do estágio de dúvidas com ainda mais fé do que possuíam antes de questionar.

E. "E aonde a dúvida e a incerteza está, a fé não está nem pode existir. Porque dúvida e fé não existem na mesma pessoa ao mesmo tempo."

Comentário do autor: Novamente discordo da análise citada por Elder Renlund. Infelizmente (ou felizmente) o mundo em que vivemos não é tão preto e branco assim e essa é uma das razões pelo qual questionadores na Igreja por vezes sentem que é preciso partir. No momento em que dúvidas surgem, nossa cultura nos conduz a repetir que tais membros "não tem fé" ou "não tem testemunho" porque como Elder Renlund disse, "fé e dúvidas não podem existir na mesma pessoa ao mesmo tempo." Sei por experiência que fé e dúvidas podem coexistir e quando administrados da maneira correta produzem mais frutos do que qualquer um deles sozinho poderia produzir.

F. "O que nós consideramos ser marcas e imperfeições na tintura do barco muito usado pode acabar sendo algo divinamente direcionado e sancionado de uma perspectiva eterna."

Comentário do autor: Creio que essa é a talvez a melhor perspectiva compartilhada pelo casal nesse discurso. Precisamos, no entanto, evitar que essa visão nos impeça de fazer as mudanças e melhorias que precisam ser feitas na Igreja, seus líderes, membros e cultura aqui e agora. 

Conclusão

Talvez a lição a se aprender aqui é que ainda temos muito a melhorar. Tanto no nível coletivo como individual. A Igreja seguirá adiante, mas a questão é com que relevância ela seguirá a diante em um mundo cada vez mais secular e menos religioso. Se desejamos manter os membros que questionam, precisamos ouví-los. Se desejamos melhorar o resultado de nossa obra missionária, precisamos rever o sistema missionário atual e ser completamente transparente com relação à nossa doutrina e história -- algo que já tem acontecido, mas que pode melhorar.

Eu creio na veracidade da Igreja e do Evangelho, reconheço a limitação de nossos líderes e dos altos e baixos de nossa história e espero viver para ver o dia em que membros não mais viverão crise de confiança, porque sua decisão de se unir à Igreja foi bem e suficientemente informada. Espero viver para ver o dia em que missionários servirão pelo amor ao próximo e não pelo desejo de serem missionários retornados, e para ver o dia em que membros não mais serão julgados por simplesmente questionar. 

Quando essa revolução acontecer, ela "irá produzir pessoas que não fazem uma lista do que fazer e não fazer no Dia do Senhor… em seguida analisando outros em seus próprios padrões e listas. Acredito que veremos as reuniões da Igreja serem diminuídas em 50% do tempo e a eficiência dessas reuniões aumentadas em 50%. Gastaremos menos tempo atrás de portas fechadas nos reunindo e discutindo sobre todas as coisas que deveríamos estar fazendo, e mais tempo ministrando à órfãos e viúvas. Voltaremos à verdadeira religião e eliminaremos qualquer vestígio de religião programática ou metódica.

Membros aumentarão novamente seu estudo pessoal das escrituras. Missionários começarão a memorizar escrituras para que haja água em seu poço. E chamados não serão vistos como promoções onde parabéns são devidos. Qualquer forma de ostentação morrerá com essa revolução durante a ascendência da maior geração de santos que este mundo já viu.

Espero que essa revolução aconteça rapidamente… porque este mundo está precisando de amor… e este amor precisa partir de Sião."[3]

Referências

[1] lds.org; anual report shared on General Conferences
[2] Doubt Not but be believing; Elder and Sister Renlund; Seminaries and Institutes of Religion Annual Training Broadcast • June 12, 2018 • Conference Center Theater
[3] The Coming Revolution Inside Mormonism; Greg Trimble, 2017



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