PERGUNTA:
RESPOSTA:
Olá,
É verdade que nossa cultura tem por muito tempo promovido o dia 6 de Abril como a real data do nascimento de Jesus Cristo, e de fato, D&C 20:1 é a fonte primária de tal crença. O verso em questão declara:
"O surgimento da Igreja de Cristo nestes últimos dias, sendo mil oitocentos e trinta anos depois da vinda de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo na carne, tendo a Igreja sido devidamente organizada e estabelecida em conformidade com as leis de nosso país, pela vontade e mandamentos de Deus, no quarto mês e no sexto dia do mês que é chamado abril."
James E. Talmage, então Apóstolo, entendeu tal versículo na época como uma indicação clara de que a revelação afirmava estar sendo a Igreja restaurada no dia 6 de Abril, 1830 anos "depois da vinda de Jesus," concluindo assim que o Salvador deveria então ter nascido 1830 anos antes, no mesmo dia. Surgia nesse momento o início de uma crença que a princípio não possuía respaldo baseado em revelação, mas consistia no entendimento de Talmage do versículo. Com o passar das décadas, a crença no 6 de Abril ganhou força em praticamente todas as esferas da Igreja e logo passou a ser um ponto comum na crença e cultura da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias.
Há entretanto alguns problemas fundamentais com a interpretação e que desafia informações que não estavam disponíveis ou que não eram totalmente claras na época de Talmage. Analisemos algumas delas:
1. Descobertas recentes feitas pelo Departamento de História da Igreja e publicadas no projeto "Joseph Smith Papers" revelaram que o versículo 1 de D&C 20 não fazia parte da revelação dada a Joseph, mas era uma nota de cabeçalho inserida pelo historiador John Whitmer.[1]
2. A revelação original publicada no "Joseph Smith Papers" demonstra que a revelação foi dada no dia 10 de Abril e não no dia 6, o que indica que a revelação concedida não tinha como plano de fundo revelar a real data do nascimento do Salvador, mas delinear os acontecimentos que marcaram a restauração da Igreja. [1]
3. O mesmo John Whitmer utilizou o mesmo estilo literário de D&C 20:1 em outras ocasiões, se referindo à outras datas, o que indica que o verso 1 de D&C 20 era provavelmente apenas uma maneira elegante de transcrever a datação de eventos significativos, como o extrato abaixo de John Whitmer demonstra:
"Estamos agora no dia 12 de Junho, mil oitocentos e trinta e um anos desde a vinda de nosso Senhor e Salvador na carne."[1]
4. Evidências históricas provém forte indicação de que Cristo não nasceu no que seria a transição do ano 1 A.C para 1 D.C, datação esta que é a fonte de nossa contagem atual de nosso calendário.
A chave para o entendimento do ano do nascimento de Cristo se encontra parcialmente nas escrituras e em registros históricos. Mateus 2:1 inicia indicando que Jesus nasceu em Belém, na época em que Herodes era Rei:
"E, tendo nascido Jesus em Belém de Judéia, no tempo do rei Herodes, eis que uns magos vieram do oriente a Jerusalém."
A Bíblia indica que Jesus nasceu antes da morte de Herodes enquanto evidências históricas atestam que sua morte ocorreu entre Março e Abril do ano 4 a.c. [5] Em outras palavras, se Herodes morreu no ano 4 a.c. é naturalmente impossível que o nascimento de Cristo tenha ocorrido no ano 1 a.c. como seguido pela tradição e atual contagem de nosso calendário.
5. Ao menos duas autoridades gerais proeminentes divergiram da interpretação de Talmage--que jamais a declarou como revelação--sendo estes, o Apóstolo Bruce R. McConkie e o Presidente J. Reuben Clark Jr., então conselheiro na Primeira Presidência da Igreja.[2]
Dessa forma, temos tanto indicações históricas como declarações provenientes de líderes da Igreja que enfraquecem a crença no dia 6 de Abril como data do nascimento de Jesus Cristo na carne, como inicialmente sugerido por Talmage.
O outro lado da história
Em tempos modernos, a crença no dia 6 de Abril como a real data do nascimento do Salvador ganhou nova vida após as declarações de alguns líderes se referindo à data como "revelação."
O Elder David A. Bednar, na Conferência Geral de Abril de 2014 declarou:
"Hoje é dia 6 de abril. Sabemos por revelação que hoje é o dia verdadeiro e preciso do nascimento do Salvador. O dia 6 de abril também é o dia em que A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias foi organizada."[3]
O Elder Richard G. Scott, na Conferência Geral de Abril de 1997 (muitos anos das descobertas feitas pelo Depto de História da Igreja sobre D&C 20:1) afirmou:
"Estamos no dia 6 de abril. As escrituras modernas revelam que Jesus Cristo nasceu neste dia."[4]
Ao analisar as declarações do Elder Bednar e Scott, alguns pontos importantes precisam ser levados em conta ao desejar o membro da Igreja sincero tirar uma conclusão sobre o assunto:
1. Ambas citam D&C 20:1 como nota de rodapé como respaldo para a interpretação, e como demonstrado anteriormente, há indicações claras de que D&C 20:1 não fazia parte da revelação dada a Joseph.
2. Encontramos de um lado dois líderes gerais (Bednar e Scott) apoiando a data como o real nascimento de Cristo, enquanto outros (Clark e McConkie) a rejeitaram e em alguns casos sugeriram outras datas não ligadas a D&C 20.
Tal divergência de opinião é ao meu ver suficiente para refletirmos se devemos tratar o assunto como revelação oficial, visto que as evidências e declarações de líderes da Igreja apontam para diferentes direções.
Ao considerar todos os pontos levantados, pessoalmente consigo conceber duas possibilidades:
1. Talmage sugeriu a data baseado em informações históricas limitadas e em alguns casos, simplesmente inexistentes em sua época. A crença ganhou força e com o tempo se tornou parte fundamental (embora não tão relevante) das crenças e tradições da Igreja, fazendo com que todas as esferas--incluindo Autoridades Gerais--a tratassem como algo oficial ou revelado.
2. A outra possibilidade--embora ao meu ver um tanto implausível--é a de que Jesus de fato nasceu no dia 6 de Abril, como declarado por líderes modernos. A crença neste conceito entretanto, exige a aceitação dos seguintes pontos:
a. Sendo claro nas descobertas do "Joseph Smith Papers" que D&C 20:1 era nada mais do que uma nota de cabeçalho inserida por John Whitmer, é preciso nesse cenário aceitar que apesar de D&C 20:1 por si só constituir uma interpretação incorreta para o nascimento de Cristo, Jesus deve ter nascido em algum dos 365 dias de nosso calendário, e coincidentemente, Ele de fato nasceu no mesmo dia do palpite inicial de Talmage.
b. É preciso aceitar as palavras de Apóstolos como Bednar e Scott como fato e do Pres. Clark e Elder McConkie como opinião.
c. É preciso rejeitar as evidências históricas de que Jesus nasceu na verdade 4 anos antes do que normalmente presumimos, no ano 4 A.C, o que indicaria que atualmente nosso calendário está 4 anos atrasado. Tal detalhe geraria um erro de 4 anos na interpretação inicial de Talmage para D&C 20:1
Conclusão
Dessa forma, apesar de pessoalmente eu não ser um adepto da crença do 6 de Abril como a data do nascimento do Salvador, respeito aqueles que assim o acreditam.Embora as declarações de profetas e análise cronológica forneçam diferentes perspectivas a respeito da real data do nascimento de Jesus Cristo, Santos dos Últimos Dias compreendem que a celebração do significado do natal é mais importante do que a data em que acontece. A observância e celebração do Natal no mês de Dezembro, cria oportunidades de conversões, visto que mais do que em qualquer outra época, o mundo Cristão se une na lembrança do Salvador, seu amor e ensinamentos, tornando as pessoas mais propícias a conhecerem e aceitarem o Evangelho.
Confira um artigo completo sobre diferentes aspectos do nascimento de Cristo clicando aqui.
[1] What was the real date of Jesus' birth?; Deseretnews; Dec 24th, 2010
[2] Bruce R. McConkie, The Mortal Messiah, 4 vols., (Salt Lake City, Deseret Book, 1980–1986), 349–50, n. 2.
[3] Carregar Seus Fardos com Facilidade; David A. Bednar; Abril de 2014
[4] Jesus Cristo, Nosso Redentor; Richard G. Scott; Abril de 1997
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